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Confissões de um vagabundo solitário IV



Raramente as coisas caminham como desejamos, estamos sempre tendo que empurrar a pedra de volta ao cume. Alusão a literatura trágica grega. Acordo logo cedo pela manhã ofuscado pela claridade do dia que entra através da janela do meu quarto. Continuo deitado curtindo um pouco da preguiça matinal necessária por vigorar nossos ânimos e nos dar coragem para enfrentar mais um dia. Me levanto e sinto, com os pés descalços, o frio do chão e vou direto ao banheiro dar aquela bela mijada, essas que fazem de um homem o ser mais imponente da face da terra. Lavo o rosto e olho no espelho, “ - o tempo não foi bondoso comigo”, aos 28 anos sinto que os homens e seus negócios querem que você se endivida, contraia o maior número de dívidas para que possa trabalhar para pagá-las o resto de sua existência. “ - Eles ganham quando você perde”, e é essa a regra do jogo, competitividade entre desiguais, vejam os bancos fudendo com todos “ – tarifas de pacote especial, tarifa de uso de serviço, desconto em folha de salário”, agem subsidiariamente dentro da lei. Isso é imundo, não vejo como podemos escapar de todas essas armadilhas. Minha garota se esforça para me entender, e eu também a ela, vamos vivendo, gozando um pouco do prazer que a juventude nos oferece, tentando não pensar no futuro, no acúmulo inútil de bens materiais, ainda podemos pensar assim, não envelhecemos nossos sonhos, mas somos conscientes de que muitos deles nem sequer serão realizados. O filósofo do absurdo, o argelino Camus falava algo sobre o desejo e o querer em estar vivo, mesmo sabendo que a vida é um absurdo, rejeitar a morte e ansiar a vida a todo custo como forma autêntica de existir. É isso mesmo não temos muitas escolhas, e na incerteza da existência é preferível desejar a vida e não a morte, foda-se a morte! Ainda quero decidir sobre minha vida, sobre o que me é aprazível, eu prefiro andar sozinho, “ – lembranças do Belchior e seus cânticos sul americanos”, nesse lugar nenhum que por força do hábito chamam de nordeste. Não me orgulho desse lugar, sei o quão é absurda essa vida por aqui, são marcas de um passado histórico por onde exploradores imperialistas e europeus adentraram, invadiram. Aqui os assassinos desbravadores abriram caminho para a ocupação civilizada, aqui o progresso subnutriu as esperanças de um povo que hoje vive assolado pelo calor. Existem oásis nesse deserto e a maioria da gente desse lugar nem mesmo imagina, pois estão muito ocupados com suas preces estúpidas. As vezes esquecemos o quanto são sádicas e aleijadas as intenções do nosso Deus. Sou um vagabundo, anseio o prazer da desocupação, do simplesmente não fazer nada, é gostoso só fazer aquilo que desejamos, sem restrições, limitações. Digo não ao esforço sem consentimento, sem que não façamos nada a não ser para nossas ambições, nossas necessidades, tudo aquilo que fazemos em detrimento de uma vontade exterior, uma outra que não seja nossa, é estranha, diferente e inimiga. Olho ao meu redor e vejo todos os gatos esparramados pelo chão do apartamento. “- Quais serão suas intenções?” Nem ao menos tenho a presunção mesquinha em julgá-los com o olhar humano. Acredito que não há segredos, vejam eles, apenas existem, e não há nenhum enigma a se decifrar quanto a isso. O meu barco estar a derivar solitário nas águas do meu oceano. Talvez algum dia eu possa ir contra a maré, desdizer tudo isso, ser outra coisa, e posso por que não? Não há prazer na certeza, são as inconstâncias da contradição que nos fazem gozar. Lee Morgan me faz passear sem sair do lugar, ao som do meu computador termino esse texto, sem qualquer pretensão literária, escrevo para me salvar da loucura do mundo, escrevo para não enlouquecer de vez, me iludo e ocupo os meus dias tediosos escrevendo, nem sempre é assim, mas faço sem permissão alguma de ninguém. São palavras e histórias de um desocupado que tem ainda o privilégio de empreitar determinada atividade.

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