Deitado de bruços concentrado
olhando o teto da sala de estar. Seu ânimo afetado por viver num país escroto.
Uma bota gasta na cara da juventude, uma tradição oligárquica viciada por
poder, lançando mão de estratégias tecnológicas fetichistas, aparência
distópica, uma realidade plástica e cinzenta. Deitado naquele sofá nada parecia
lhe devolver o viço da existência. Sem gozo, gargalhadas incontroláveis
histéricas e ensurdecedoras, zuniam em sua cabeça. Estava enlouquecendo? Como
ele desejaria enlouquecer, naquele momento, de súbito, num acesso de fúria
arrancar, com uma mordida, a orelha de um militar. De um professor, aula de
metafisica, aquilo não fazia mais sentido. De um pai de família, dívidas,
fraldas cheias de merda, e a esperança dilacerada. O mundo estava hostil,
aquele país era o pior lugar de todos. Não era um regime totalitário, modelos
retrógrados, violência institucionalizada, monopólio dela e adesão popular a ferro fogo, coturnos e balas de fuzil. Era
através de uma tela gigante no centro da sala em toda e qualquer casa, doce lar
familiar. Não importa a classe, rico, classe média, ralé? High tech, última geração. Plasma é cafona, LED acessível, TV
2000K Super HI-Vision Plus. Recordava do comercial, uma loira sem cabelos na
cabeça, uma voz suave e sexy, acariciando aquele aparelho tecnológico com
aspecto gelatinoso e transparente, que depois de ligado não precisava mais ser
desligado. Sentia náuseas de tudo aquilo. Deitado no sofá, já desconfiava que
enlouquecia. Não queria mais saber dos trabalhos da universidade, do tempo
gasto e da falta de dinheiro. Sempre vivia com pouco e isso o frustrava demais.
O país inteiro, a enorme e esmagadora maioria, para ser sincero. Televisores
ligados, comíamos diante deles, amávamos diante deles, trepávamos diante deles,
chorávamos, sorriamos, odiávamos... Criança não chora, seus olhos brilham e
confundem a realidade com nitidez. Mais magenta, azul e vermelho confluem.
Sentado no sofá, viraria o rosto de lado e veria sua porta ir abaixo, despertando
dos pensamentos em que se fechava. Homens, botas escudos e capacetes, uma
fumaça densa e sufocante, invadem sua casa, algemas apertam seus pulsos, uma
pancada forte na nuca. Tudo ficaria escuro de repente. Dia seguinte, essas
foram as imagens que ficaram em sua cabeça, avental e deitado numa cama velha
de metal, aquilo parecia um hospital, o que estaria fazendo naquele lugar. Dois
enfermeiros, pareciam ser enfermeiros, vinham em sua direção, quis se levantar
da cama, pulsos e pernas presos, o que estava acontecendo? Sentiu um calafrio,
tontura e viu a agulha de uma seringa entrando em sua veia, dor, por todo o
braço que agora estava roxo, azul, negro, um desconforto e sua cabeça afundava
no travesseiro....
Novembro/2016
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