Despertam clarividências! Numa
tarde ensolarada de segunda-feira depois de dias de chuva, sentei em meu sofá e
resolvi ler algum livro, alguma coisa que fosse rápida, pois em nosso tempo a
máxima Time is Money! é mais do que
motivação moral, regra de conduta ideal, volição interna. As Instituições
livram-nas do esquecimento, o dinheiro é a batida repetitiva dos dias, a
ganancia do Rei Midas banalizou-se, e se ver por toda parte. Também sou homem
de negócios, mas a preguiça é meu grande pecado capital, distante de possíveis
julgamentos, sai à procura de algum livro na estante em meu quarto. Passagem
rápida com os olhos, Lima Barreto em destaque prende um olhar ansioso. Livro
velho de crônicas escolhidas, abro e as folhas escorregam, parecendo cartas de
um baralho velho amarelado, paro a mão por cima delas, página 95, título A Volta. O texto fala sobre Núcleos Coloniais, processos de imigração
na região de Minas e do Rio de Janeiro, uma crônica de 1915, 32 dois anos de República,
boulevards, grandes avenidas e o
progresso vendido pela política do Rio de Janeiro. De imediato reverbera em
minha cabeça, a clarividência de um raciocínio. Pode até ser produto de uma
ciência velha que aportou por aqui, que nos faz ver apenas as coisas peculiares
de nossa insignificância, nosso erro em idealizar Europas e Américas,
sempre do Norte dizem que nos educaram, civilizaram-nos e deixaram preconceitos
de toda sorte, ferramentas epistemológicas cheias de racismo, um racismo
refinado. Calma! Acho que estou confundido tudo. Para onde estava indo,
pensamentos fugidios, sintética é para poucos. Não acredito em mais uma
besteira como essa. Epa, já basta! Mas foi numa tarde ensolarada de abril, que
parei para pensar, pensamento demorado, quase em desuso em relações sociais
cada vez mais vulneráveis, frágeis e imediatas, fui instigado por nossa literatura,
um negro desafortunado, dos que foram impedidos de falar, de denunciar as
perversões do nosso Estado-República,
cultura forjada por nobres senhores, das nobres terras além mar. Pensei na
funcionalidade do Nordeste para uma lógica mercantilista geral, ou melhor, da
imagem do Nordeste, forjada e usada, com tanta banalidade e exagero pelos bons
mocinhos, limpinhos e cheirosos de nossa elite. Tataranetos dos senhores
distintos, de Europas progressistas,
galináceos pomposos. Em seguida recordei do progresso europeu oriundo das
terras desse mesmo Nordeste, omitido de nossos anais de história, escondido das
crianças, esquecido nas páginas dos inúmeros jornais. Me vem à lembrança de ter
lido algo sobre plantação colonial, especulada pelo mercado internacional, por
três séculos sugaram e, ainda sugam, os frutos do trabalho de milhões de
trabalhadores em condições precárias de trabalho-escravo, outrora africanos e
índios, hoje excedentes de mão-de-obra, braços baratos. Antes colonizador,
agora instituições ditam o destino de legiões de trabalhadores empurrados pelo
medo e a fome, ao ritmo das especulações do mercado externo, do valor que uma
coisa, produto, alimento ou vida tem para o mercado mundial. A água aqui era
promessa sagrada, estratagema de políticos que se auto intitulavam salvadores,
heróis que se multiplicam em milhões a cada nova corrida pelo controle do
Estado, que por muito tempo encurrala os miseráveis tornando-os moedas de
chantagem por toda uma região. Um dos grandes rios que corta a região tem nome
de santo, o São Francisco ou Velho Chico, hoje em grandes canais escorrem suas
águas e, por onde passa, renova a esperança de um povo surrado por uma Elite
sedenta por dinheiro e mais dinheiro. O agronegócio, os commodities são as novas atrações da gananciosa oligarquia
brasileira. No século XVII os holandeses triplicaram seus lucros nessas terras
hoje áridas, facilitando o comércio de escravos e ditando as relações
comerciais no Brasil, a Dutch West India
Company invadiu e conquistou a costa do Nordeste, segundo Eduardo Galeano
em seu famoso livro As veias abertas da América
Latina, assumindo diretamente o controle da produção do açúcar e tornando o
país no maior produtor mundial, hoje as especulações financeiras da Bunge, Cargill e Souza Cruz
sangram as terras brasileiras de norte a sul. Em contradição a água torna-se
abundante num dos maiores períodos de estiagem que a região já enfrentou, o que
isso realmente pode significar? Progresso? Desenvolvimento? Um novo ciclo
sugere atenção, previsões? De nada servem. Consultar os fatos históricos, se
faz necessário, perceber que em nossa história velhas formas de poder se
renovam, se reconfiguram em conjunturas totalmente diferentes, mas com ensejos
e práticas tão velhas, que parecem nem nos espantar mais. Está tudo aí para
quem quiser ver, não há considerações
gerais a fazer! Também lembrei dessa velha canção, Chico Anysio, traduziria
meu momento, uma segunda-feira incomum, com e sem botões, clarividências,
clarividências.
Bom, pra quem gosta de uma boa música aqui vai uma dica que, em minha opinião, despertará a curiosidade acerca deste nome. Minha dica é o cantor, poeta, pintor e compositor Belchior. É isso pessoal, por mais que alguns afirmem que existem “intocáveis” compositores brasileiros, a exemplo de Chico Buarque, Tom Jobim, Vinícius, dentre outros, este cearense despertou minha curiosidade e me fez perceber que a música não tem limites estéticos, e que não existem tais cantores intocáveis. Sem bajulice ou coisa parecida, aqui escrevo sobre este figura por sentir e perceber a um bom tempo a qualidade de suas composições. A diversidade presente em sua obra é marcante e os ritmos se confundem numa salada de poesia, filosofia e estilos musicais. Inúmeras são as músicas que há tempo são apreciadas pelo gosto popular: “Apenas um rapaz latino-americano, Medo de avião, Fotografia 3x4 e Tudo sujo de batom”, são exemplos que já se tornaram banais. Sua originalidade estética não se resume apenas a es...
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