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Um homem e seu desejo maior

Hoje inculquei em minha cabeça a ideia de matar alguém... fui pego de surpresa com esse desejo, essa vontade assassina, logo me vi num bar ainda pensando, preso em conjecturas maquiavélicas, em querer privar a vida de outrem. Já estava bem próximo da hora do almoço, o bar não fecha nesse horário, havia seis mesas, apenas duas estavam ocupadas, um vagabundo conhecido por beber as custas dos outros num canto, conhecido por pedir bebida a um e a outro, de gole em gole levando a vida a diante, na outra mesa, desconhecia os indivíduos, falavam de música, uma nostalgia sobre o que eles nomeavam de “música das antiga”, Nelson Cavaquinho, Ataufo Alves, Nupicio Rodriguez, recordo de algum desses cantores, e quando estou nesse Bar sempre tocam essas músicas e a maioria dos bêbados choram suas mágoas e compartilham as vezes seus desamores. Nesse clima eu estava, e ainda com aquele desejo de matar alguém. Bebia cachaça, a mais vulgar delas, depois comecei nas cervejas, já se foram três, já estava me sentido esquentado, e calado no meu canto olhava todas aquelas caras desdentadas e desgastadas por inúmeras vivências. Somos escravos do nosso passado, carregamos eles pra tudo quanto é canto, e são poucas as vezes que tomamos conta de que ele nos fode a vida inteira. Nessa mesa na qual conversavam coisas sobre música, um tal de Preto perguntou de repente se alguém no bar saberia dizer quem foi que fez o primeiro gol da seleção brasileira numa copa do mundo de futebol. Em 1920, segundo ele a primeira copa foi conquistada pelo Uruguai e, sendo ele capaz de matar a charada, a questão ficou solta no ar. Eu nunca tinha parado pra pensar nessa merda. Desde de moleque que estava cagando pra seleção brasileira e só existia um time de futebol que me agradava quando via jogar, da quarta divisão do futebol brasileiro, o Campinense Clube, time ao qual via jogar e acompanhar seus resultados, até porque não costumava apostar em porra alguma e o futebol era algo que me satisfazia de alguma maneira. A única vez que joguei apostado estava quase ganhando uma partida de sinuca e faltando uma bola a ser encaçapada, o filho da puta que estava jogando contra mim, deu uma tacada e encaçapou três bolas de uma só vez, tive que pagar duas cervejas e ser achincalhado por todos naquela noite. Porra eu era conhecido por jogar muito bem, sempre ganhava partidas de sinuca, mas era só falar em aposta eu entrava numa nuvem negra pessoal, e podia perder até pra quem nunca pegou numa porra de um taco de sinuca. Futebol, sinuca e meu desejo em matar. Não me recordo quem foi que fez o gol, mas vi um dos amigos do tal Preto, levantar da cadeira e quebrar uma garrafa na cabeça de um outro chamado China. A confusão estava armada, copos e garrafas voavam por todos os lados, me levantei e fui em direção a esse sujeito que eu desconhecia e que estava na outra mesa, sentado com o Preto a conversar sobre a decadência da merda de nossa música popular. Peguei ele por trás, dei-lhe um soco na nuca e ele foi direto ao chão, batendo com força a cabeça na mesa e caindo desacordado. A briga sessou na mesma hora. O dono do Bar, ficou berrando que iria chamar a polícia, e naquele mesmo instante fui embora do bar sem pagar a conta, e sai assustado descendo a rua em direção ao meu carro. Entrei engatei a primeira e sai cantando pneu. Assustado eu estava, mas ao mesmo tempo uma sensação de prazer, de satisfação, algo tomava conta do meu corpo, agora me era claro e evidente o que Freud queria dizer com instinto de destruição, Tânatos, desejo íntimo e comum em todos. Fui em direção a minha casa que ficava do outro lado da cidade. Me preocupava ser preso, se aquele sujeito realmente morreu, eu não sabia o que seria da minha vida de agora em diante. Me atormentava pensar que poderia ir preso e ficar numa cela com um monte de desgraçados que não tiveram muita escolha na vida. Cheguei em casa avistei meu gato brincando com um periquito, e o pássaro já estava quase depenado, corri salvei o bicho e fui colocá-lo em alguma arvore lá fora. Meus vizinhos perguntavam o que eu levava na mão e eu falei que era um pássaro e que tinha acabado de o livrar da morte. Me disseram que ele teria dono, que ele parecia ter sido domesticado, ou melhor, criado num cativeiro por algum estúpido, sádico que deseja ver um pássaro preso numa merda de gaiola. Disse pra todos que iria soltar ele em qualquer árvore que eu avistasse, e que a natureza ou o acaso, La fortuna, ou quer que seja, destino, enfim ele ia ser libertado em qualquer árvore e lá ele que se virasse pra sobreviver. Em nosso tempo estamos todos fudidos, não sabemos em qual momento vamos nos dar mal. Voltei pra casa, fechei o portão com força, periquito, futebol, sinuca, desejo de morte saciado, e a lembrança que a qualquer momento estaria preso, numa suja gaiola cheia de outros miseráveis que foram jogados lá por algum sádico engravatado que adora ver pássaros engaiolados. Semanas depois de todo o ocorrido eu seguia com minhas ocupações, e nada, nenhuma notícia sobre o suposto morto. Tomando um copo de vinho num bar no centro da cidade, fiquei sabendo que não havia morrido ninguém na confusão entre eu o tal Preto e seus amigos.
Um pouco aliviado fui tomando novamente pelo desejo de morte, parecia que a porra do desejo  instigado com a notícia do não-morto e esse fato mexeu comigo. Born in the kill, mexer os palitos da sorte, procurar esquecer esse desejo, é o que eu precisava fazer. Sentia que ele era mais forte do que eu, sentia o impulso da morte, o desejo da carnificina, uma hecatombe de homens mortos num front. Eu sabia que aquilo não era sadio, eu sabia que estava doente, só podia, isso não era comum para um ignorante como eu. Cristos em paredes, fé na morte, desejo repugnável em ver crianças mortas.
Peguei o carro novamente e sai em direção ao centro da cidade. No relógio marcava 17 horas da tarde, um trânsito desgraçado, algum tipo de festa acontecia na cidade, alguma coisa que reunia um número significativo de pessoas. Todo aquele ambiente já me enchia o saco. Eu já estava puto com o engarrafamento, outros motoristas buzinavam, xingavam, sol escaldante, crianças chorando......
Acelerei o carro e bati num motociclista que estava na minha frente, acelerei e ouvia os gritos das outras pessoas implorando pra que eu parasse. Mas eu continuava a acelerar sentia a frente do carro subir, eu estava com o carro em cima daquele sujeito e sua moto, estava cego pra aquilo tudo. Cansei de acelerar e parei o carro, todos olhavam espantados para mim. Desci do carro e sai andando em direção a um bar que avistei na esquina, de nome “Bar do Hamilton”, sentei próximo ao balcão e pedi uma cerveja. A cerveja veio gelada, puta merda até que enfim!!!, tomei um gole e escutei barulho de sirenes, seria a polícia? Ambulância? eu sabia que iriam me prender, eu sabia que iria me engaiolar junto com meu desejo de morte, junto com essa ânsia assassina que me dominava. Mas eu fiz o que precisava, eu satisfiz aquele desejo, o que seria de homem sem seu desejo satisfeito?

Eram quatro policiais todos apontavam armas pra mim lá fora. Eu continuei sentado bebendo minha cerveja. Eles adentraram o bar e antes que me algemassem, o dono do bar disse: “- Antes de o levarem deixe que ao menos pague a cerveja, são 5 conto!”

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