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Um Passado


Acordei umas cinco horas da manhã e isso não era de costume. Passei quase toda a noite me revirando de um lado a outro da cama, certa compulsão contra meus pensamentos mais íntimos. Despertei e o sol demorou um pouco a surgir. Junto com ele os sons mais variados preencheram o vazio da noite que acabava de chegar ao fim. Ainda cansado desisti em me levantar, fiquei deitado olhando para o teto que me acompanhava e fazia sentir-me tão aconchegado. “– Hoje me sinto inútil” -, pensei e logo percebi nessa assertiva algo de verdadeiro. “- O dia anterior talvez tenha sido muito conturbado”– pensei novamente -, “- Mas não tenho certeza do que realmente o que aconteceu”. Meus pensamentos desordenados me deixavam confuso, quando eu tentava me prender a um raciocínio, ou ainda, tentava conectar minhas lembranças com a intenção de recordar o dia anterior, nada me vinha à mente e tudo se resumia a acontecimentos isolados, lembranças vazias e desconectas que não me diziam basicamente nada. “- Lembro que bebi” -, falava comigo mesmo, essa era a única certeza que tinha, mas era como lembrar que comi no dia anterior, isso nada me acrescentava. Pouco a pouco fui tomando coragem de me levantar, me deparei com o espelho e lá estava meu verdadeiro eu. “- O corpo nos diz mais do que a alma” – refleti -, ao ver um rosto cansado, um organismo que se mantém vivo mesmo com as imposições do tempo. Confuso, solitário naquele quarto desarrumado como meus pensamentos, de repente uma angústia tomou conta de mim, ao mesmo tempo em que tentava entender como um homem vive sem passado, “- Se não me recordo das coisas que vivi no dia anterior, como seria se todo homem esquecesse seu passado?”, refletindo nessa generalização, tentei desviar o fato que me atormentava, mas ele teimava em não sair da minha cabeça. De imediato pensei, posso dar um fim a essa dúvida consultando meus amigos, mas logo desisti, estava um tanto resignado e aceitei por algum momento essa minha suposta amnésia. Depois de estar de frente ao espelho, o cansaço foi mais forte cai sentado na minha cadeira. Tudo ainda era muito confuso e, se antes eu estava angustiado por conta do meu comportamento, logo fui me familiarizando com todo o absurdo. “- O que me importa saber o que fiz a um dia atrás?”, falei em voz alta, numa espécie de grito, como se eu quisesse repelir esta vontade inútil de dentro de mim. Bateram na porta do meu quarto, e eu ainda fiquei absorto. Bateram outra vez, só que dessa vez mais forte, me levantei ainda sem muita força abri a porta, quando me deparei com um desconhecido, este olhou bem nos meus olhos e disse: “ – Não existe um único homem em todo o mundo que não tenha medo do seu próprio passado, o passado assusta a todos nós!!!!”

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