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A criaturinha.



A subjugação da natureza leva inevitavelmente a sua destruição, e a destruição da civilização. (John Zerzan)
Manhã do dia 24 de julho de 2012.
A rotina era mesma, acordar ir até a padaria e comprar os pães do café da manhã. No caminho lembramos que a soja tinha acabado e fomos comprar num mercado próximo de nossa casa, nesse percurso o acaso nos lançou de encontro aquele ser pequeno, frágil e muito debilitado. Não pensamos duas vezes, resgatamos e levamos conosco para nosso lar. Ela preparou um cantinho, caixa de sapato e alguns retalhos velhos, algo improvisado mais com tamanho carinho. Um pouco de leite numa vasilha e a esperança de que a criaturinha, “Ela costumava nomear assim esses pequenos seres”, fosse suportar essa existência indiferente e cruel que todos os humanos submetem os não humanos. Ela saiu para trabalhar logo após o almoço, e eu fui ver o que estava acontecendo no mundo paralelo e virtual criado por humanos e só para estes. Gastei tempo com essas futilidades e logo me veio a lembrança o ser que estava lutando em querer existir a todo custo, uma pequena vontade querendo viver, talvez o noumeno que descreve o filósofo pessimista, não sei ao certo, porém fui ao encontro daquela criaturinha, “era assim que Ela se remetia aos não humanos”, e ao entrar no nosso quarto não o achei no cantinho improvisado que Ela tinha articulado, olhei ao redor e nada do bichano, quando me abaixei e olhei debaixo da cama vi que a criaturinha estava ofegando e dando seus últimos suspiros. Fiquei preocupado, tentei ligar para Ela mais não tinha crédito no meu imprestável celular, não pensei mais em nada e agi. Peguei a gaiola coloquei a criaturinha dentro e sai na moto em disparada ao veterinário. Lembro de ter sentido, quando o peguei, o seu corpinho já ficando frio e os olhos quase sem cor, as pulguinhas saltavam fora daquele peludinho prenunciando, talvez, a destrutibilidade do ser. Não sei ao certo se fui bem atendido, nada sei sobre anatomia, moléstia ou algo do tipo em se tratando de animais, sou ignorante nesse assunto. Uma eutanásia foi a decisão, eu consenti porque não queria ver a criaturinha, “Ela fala dessa forma e acho bonito quando diz”, sofrer por mais tempo. O céu escureceu e, agora às 16:45, enrolei o pequeno corpo num pedaço de jornal e o enterrei no quintal da nossa casa. Os outros quatro que convivemos todos os dias observaram tudo, não sei ao certo o que pensavam. 

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