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Sobre a morte de Zíper (O gato cinza)



“A natureza nos informará imediata, plena e suficientemente”. Fora dessa forma que Montaigne, em sua obra ensaios, refletiu sobre a condição da morte. Hoje já faz alguns dias que o meu gato cinza (Zíper) foi morto de forma desconhecida, ‘ – suponho que tenha sido atropelado, pela gravidade e características dos ferimentos’, e estou me ocupando nessa transformação em palavras a sensação forte e a demasiada tristeza que surgiu em minha vida para desmoronar meu castelo de certezas. Sua morte veio de forma imediata, seguindo o pensamento do filósofo francês, rompendo minha ilusão cotidiana, lançando-me numa realidade autêntica e teleológica de todos os seres vivos. Antes era nada, até o momento em que construí o algo como força de minha vontade em querer companhia, aproximação de um outro, um objeto qualquer? Nunca, uma vida que me instiguei a oferecer condições para continuar a existir nesse mundo medíocre, forjado e desconstruído por nós humanos. Resido com outros quatro da mesma espécie, mas o que morreu fora o Zíper. Melhor dizendo, assassinado por outro da minha espécie, pois o estado que o encontrei demonstra claramente que foi obra humana. Não tenho mais lágrimas a chorar, entendo como é inútil tal atitude  mas não porque me resignei com a certeza da morte, o contrário, mas por ter entendido a fragilidade de nossa existência e mais ainda desses seres não-humanos. A morte pode até ser plena e suficiente como consequência natural dos vivos e, amarga quando revelada ou despida das nossas interpretações morais. Porém, ela continuará sendo um enigma necessário para refletirmos sobre a vida, assim como, a convivência com outros seres não humanos. Se somos capazes de ferrar com a vida de qualquer um por motivos banais, Zíper fora mais um no meio dessa hecatombe  ‘ – Acredito que existir dessa forma que existimos no mundo não condiz com o viço da vida, é um almejar estúpido por nada’.
Para minha consciência, para o entendimento inútil das incertezas da vida, para Zíper que deixou de ser e repousa na lembrança de minha memória.

Comentários

  1. A vida humana é tão significativa e insignificante como a de qualquer um desses animais domésticos. Alimentados em pratos pequenos e sem profundidade. Que ao cruzar a faixa de pedestres podem ser atropelados ou simplesmente pisoteados. Animais domesticados, entre a coleira e o medo dos perigos da liberdade.

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  2. Constato, ou tento em palavras resguardar minhas boas recordações, como impressões de minha vida, que marcam minha existência permitindo que eu seja autêntico, talvez, no meu viver.

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